sábado, 30 de junho de 2007

Existência/Hábito

Enquanto arrumava a casa, procurava encontrar a si em cada espaço pelos pertences que ali, dela/por ela ocupavam
Sabia que aquilo ainda se estenderia pos alguns anos, mas mesmo que parece pouco e mais fácil, ela sabia e considerava os atritos indomáveis das vontades (quase crueldades) dos instantes.
E instantaneamente caía numa reflexão existencial.

Existência - o que lhe daria, seus frutos, colocações em produtos - então sem tempo e fatores que questionavam a existência da existência.
Existência que não precisava ser sua. Já que se sentia muito pelos outros, sabia também que nos outros se teria sem esforço.

Ela projetava na sua cabeça cenas como lembranças de outrora
Sentia em seu peito um palpitar intenso que despertava desejos e o querer de certos acontecimentos que podiam simplesmente sê-los.
Mas a possibilidade constrói sonhos, move vontades, faz com que o hoje seja uma certeza doce, garantia para amanhã.
Ainda vivia com/por outros e sentia aquilo já parte de si, inerente pulsar.

Como se preparasse uma receita para seus dias seguintes,
numa panela fervendo de vontade vitalícia: colocava os grãos amarelos de Sol - disposição do céu; e pipocavam saudades, lembranças, beijos perdidos na freqüência cardíaca como chama.

Fantasiava a possibilidade de infiltrar suas mãos nos ponteiros do relógio, que movimentados trariam junto com a paisagem requerida da imaginação, aquela concretização.
(Como se o tempo era abstrato?)

Seria um balde de pipoca com uma história cinematográfica que acompanharia o frio e faria desculpa pros corpos unidos no sofá com atenção acorrentada ao envolvimento da presença recíproca
Ao que tudo traduzia à lembrança de seus sonhos e o fio na barriga retocado no olhar que era o que mais desejara.
Olhar nos seus olhos e lhe chamar de amor.
Lhe figurava como o que tinha, melhor podia e sentimentalmente era.
Não diria "realmente", pois amanhã este mesmo fato se esvairia na poeira da ternura; o pó da lembrança do amor.
(No puro abstrato em modificação plena concreta)

O calor do entrelaçar puro de mãos, braços, corpos e certezas mudas das juras ditas em silêncio
Na frente visível do aconchego manual do amor
E da expressão dita nas canções escolhidas a dedo, por conssonância coincidente das vozes.
Agora poderia pensar que fosse só seus próprios desejos se ditando e modificando o sentido para ver o que queriam, mas havia aquele enlaçe da existência
(então nestes laços cativados).

Organizava as gavetas e sentia cada gesto novamente visualizado, mas na ânsia do sentir repetido...

Poder olhar naqueles olhos e não dizer mais nada
Esperar que ele os visse
Não era apenas ver seu reflexo dentro dos olhos alheios e visualizar falhas e apontar suas culpas
Sentir ameaçado por uma lança que apontava seus medos e afiava sua falta de confiança própria
Mas ele era dentro dos olhos dela, e se figurariam por ela.
Encontrado naquele interior como peça para encaixe,
seus erros apontariam superação
E suas angústias um não-fazer da sua força confusão.
E se ele tivesse então olhado nos olhos dela, veria no fundo sua alma pequena, mural que identificava-se na expressão do amor.

Mas eram partes da existência,
e os laços romperam quando outras peças foram cobiçadas e esquecidas de procuradas, pois se acomodaram sem querer na perplexidade do contemplar.
Faltou um pouco de busca, e ela agora se organizara.

Mas foi um achado de surpresa a nova descoberta da velha peça na gaveta,
como o novo passo de suas memórias que sentiram com desejo

O gás tinha apagado e a comida esfriou; não a comeria pois não esperava vingança
Ainda estava no estágio cru.

E lembrou do que ele esqueceu:
o desejo se saceia,
enquanto o sentimento só se alimenta.

Despertou do transe que teve ao fixar seus olhos nos olhos do espelho - que eram sua alma aberta como janela.
Fechou a gaveta e pensou em tirar as peças que não lhe serviam mais

Sentiu um cheiro de queimado e viu que esqueceu algo no fogo
Nem que fosse um tempo pra aquecer, a receita estava errônea
Tinha na sua frente os instrumentos da mudança.

O desejo encontrou seu caminho e o sentimento estava espalhado ao vento que escrevia seus ingredientes no degustar puro de cada instante.
Um olhar para seus olhos, um gosto para seus lábios.
O amor para dentro de si, como um hábito.


Imagem por Amélia Vinhal

3 comentários:

Mariana Pacheco ♥↔♥ disse...

Creusa,

eu disse pra vc não usar os meus desenhos assim..¬¬

AUSHUASH

Lindão o blog..! ^^

ah..nem li..meus olhos tão ardendo de sono :s

beijos

;***

Mari

WaGNeR disse...

lindo!

R., R., Rosa disse...

se da próxima que eu estiver doente e ler algo assim (ou mais figurado), juro que morro de taquicardia. haha

lindo! [2]

:*