sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Unidades (in)concebíveis

A luz desperdiçada de manhã era o único rastro concreto naquele ambiente.
Cortando a penteadeira que acima compunha um espelho, a face entrecortada por impressões, luminosa solaridade que respondia a amargura ressaltada naquela separação.

Restabelecia seus fios dourados, alongados ao lugar concentrado de seu conjunto
Cuidava de sua face delicadamente, aplicando funcionamentos perfefeccionistas, estéticos;
adornados ao costume, idêntico ao sol poente.
E destituía-se das finuras(agulhas) temporais, que acompanhavam-na sem temor, utilitariamente nos grampos de cabelo.
À voz contida na face inexpressiva de lábios colados, derretidos à cores estampadas na roupa já combinada.

Num ritmo afinado à movimentação da sua caixa toráxica, natural compasso servia sua contemplação de sublime cansaço
Interrogava a palidez diferentemente posta como brilho no (claro) olhar.
Cílios claros de uma verdade, dificuldade tão clamufada no visível...
O impulso de seus dentes perolados de rasgar, ou convidar alegrias num singelo aparecimento.
Compunha da amostra secreta das probabilidades, que sequer necessitaram de suas mãos.

E assim que ela atribuiu o metabolismo à vida, concluiu vitalícia aos detalhes (além da completude).
Ao curvar olhares ao redor, uma dependência clara do condicionamento de seus braços, e pêlos, cartas, incensos, lembranças, e mãos e claridade, e desespero.
Melancólica lágrima que desceu na calmaria paradoxal dos sentidos.

Mudou a ordem e entendimento da cor e do movimento, e sua espécie e amor mudaram de contentamento...

A pureza sujou seus lábios assim que a sedução carregou seus olhos
Não temeu a marca sobre sua pele, do cuidado rosto...
Rastros pintaram suas pálpebras de fatos sentidos.


O agora ofegar ritmado foi conclusão da lembrança de como era sentir como a boneca de quando menina.

Assustara-se um pouco enxergar-se tão transparente numa poça d'água na rua, no frio de sua alma despida
Arrepiada pela junção do seu corpo bruto e da cálida estrela no céu, viu a mesmisse de seu rosto livre como seus cabelos soltos

Na pouca luz da lua crescente, elevou sua sensibilidade e na confiança do tato, impulso do perigo, no rastro da escuridão que acolhia; inventou o tempo que concretizaria sua inexprimível união,
do ritmo incompatível a harmonia, sagrado coração.

Imagem por Amélia Vinhal

domingo, 26 de agosto de 2007

Rendição

No rosto enfraquecido pela não-presença no espelho
Pôde perceber que aquela falta era uma ausência além do corpo, que poderia gritar de súbito com a alma, com ondas sonoras estremecedoras ao peito
E suavizadoras nas curvas que valem a brisa, o vôo da borboleta
e todas as faltas consumidas pelo dia cinza
Que trescalam saudades nos cabelos chacoalhados pelo vento frio...

Apta à transpassar as palavras para a confiança por si só
Deixou rabiscada a sensação da lembrança sem tons proferidos para inúmeras interpretações
Fosse ela mais pura. Por fusão natural de seus perfumes.
Intimidade única, exalada da cor do jardim,
da flor que cortada foi para enfeitar o vaso da sala,
arrumado por tuas mãos;
com novos perfumes, talvez o odor da memória.

O prazeroso virou bonito, enquanto o espaço pra aceitação contemplativa
violou muito da divisão sensível, compartilhada pela finura de certos momentos
Poderiam ser poucos, mas únicos.

Aquela flor é a mesma dentre tantas, porém única pelo cativo
(Lembrara-se do principiado valor).
Sem algemas para o fluxo, há o encanto evazado em tudo que pode-se contemplar,
sem possessões.
As palavras do que já foi visto lhe dizem, a imagem grava.
Significados... não (me) submetem.

Escreveria, assim que houvesse o que viver
Assim que realmente existisse, e além do sussurro de um desenho,
compreender a virtude das palavras, sem entender.
.
.
.

''Deves ter nascido do gomo de alguma flor
Sim! Alguma flor que desse gomo,
da qual parto levastes, na pele de pétala.
Saceia como fruto com teus lábios,
Saboreia-me da seiva que sustentou teu caule
- imperceptível e derradeiro,
amor.''
.
.
.

Imagem por Amélia Vinhal

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Florbela

Andando por vielas largas, seus passos eram cumprimentos diários, encaixes do dia.
Sua cabeleira desgrenhada contrastava com as cores de combinação pouco comum de suas
vestes, porém condizente à sua figura.
Quando caminhava impunha sua figura num brasão claro, moldura dos ares, finura de seus
pares. Precisava haver essa conclusão do dia já tão cinza.
Mas havia uma desordem em sua estética...fugia da comunal exposição, prendia a atenção;
suspendendo impressões de prontidão.
Constatava a percepção da sensibilidade... e sem querer.

Passava, andava, vivia. Simplesmente um elemento ao redor.
Uma passagem da ordem. Uma naturalidade da organização.

E ainda assim muitos olhavam, quase nada concebiam.
Uma satisfação incompreensível à padronagem frisava ainda mais seus contornos.
Não diriam-se profundamente belos nem estrondosamente impressionantes;
porém cativavam, e esse era um dos significamos quase atemorizantes.
Separando em lados, essas eram as aparências dos observantes.

Quanto à ela, a criatura expressiva da existência significativa no espaço que contornava;
era convidativa ao abraço, ao então sentir estas texturas e poder provar aonde havia verdade.
Um pilar mais exato deveria possuir, uma semelhança mais bruta, um aparar mais palpável.
Precisa de concreto o homem para nele fazer seu pilar.
E mesmo com nervos de aço, amolecia o fogo daquele olhar profundo.
Era vasta a longevidade. Mais do que seu sinônimo. Além do vocabulário.
Do entendimento ou explicação.
Isso para quem ainda a sintetizava. Aos que ousavam querer além.

Às falas adornadas pelos ouvidos, ficou um prazer preservado apenas nos gestos.
Não deram conta as palavras de tecê-la com tanta adorabilidade. Faltava. Emudecia.
E completava com presença.
E harmonizava com canções, que sequer ouviram-nas.
Daquela boca quase saiam frutos, deliciavam as retribuições com salivas contidas,
com sorrisos conclusivos.
Ou com distribuídos estalidos das junções delicadas.
Ainda havia quem quisesse neste adentrar. Na finura de braços enlaçadores se deixam manusear. Aninhar-se na liberdade mais acolhedora, quase contraditória, dona sem adquirir.

E à tudo ficou o enredo criado da visão de seus próprios olhos.
Verdes para dar o ar, criarem o oxigênio ao direcionarem-se à qualquer lugar.
Captavam figuras curiosas, experimentavam com outros arranjos de seu corpo os completos sentidos...
No acariciar dos entendimentos com mãos, na condução aos pés,
edificação rígida, impecável da boca; construía significados ao dar vida às palavras e as destruía quando materializava, poderia mastigá-los.
Sentia um poder puro e confortante dentro de si.
E não interessava qualquer conceito de potência ou modelo de ordem.
Seguia o fluxo natural; que sabia que constituía para estes indivíduos e o dia cinza.
Se quisessem mesmo a ordem, naturalizariam o caos
Entenderiam que o dia cinza espalha a morbidez pelo céus e consigna naturalmente a tristeza.
Que tantos pontos coloridos, esbaforidos nos centros urbanos são resultado de um pingo de creme na calça; uma padronagem esquecida pelo exercício das pequenas coisas.

Ousaram querer ter a realidade diante dos olhos, sendo que só pincelaram sonhos
Aquarelas com grãos de areia pintados, desbotados pela chuva.
Quando temem pela chuva, simplesmente não secaram suas linhas.
Apagam-se para em novos contornos se juntarem; para desbotarem a flor
e colorir um coração... o mesmo que estatelou-se ao chão.
E que a poça regou. Pra alguma moça pisar e ao pé fixar.
Crescer como raiz, semear o perfume, ter nome de flor e ao sorrir desfrutar de uma natureza incompreensível aos maquinários.

Morava numa agressividade adocicada pela imaginação.
Passava pelos caminhos construindo possibilidades;
seria pelos homens, pelos olhares, pelas palavras que brotavam de sua boca
que com o olhar que dava vida, fazia concreto nas calçadas.
E atenção indescritível, das tranças aéreas das possibilidades.



"(...) Trago no nome as letras duma flor...

Foi dos meus olhos garços que um pintor

Tirou a luz para pintar o vento...


Dou-te o que tenho: o astro que dormita,

O manto dos crepúsculos da tarde,

O sol que é de oiro, a onda que palpita. (...)"


(Florbela Espanca)

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Poetisa

Amolestada por uma mudança brusca dos tempos
Que se perderam em desconfigurações das previsões
Não se sabia mais quando chuva, ainda mais quando Sol;
e todos os ventos declinavam vários horizontes...

Seus olhos já estavam cansados de imagens prontas e vastidões consumíveis
Não soubera mais se deglutir e sobravam as migalhas de pão e gotas de vinho à suas roupas e chão...
Não cabia mais metáforas ao céu, rastejavam as palavras ao chão...
Plainavam então ao ar os significados e respirar sem som era o tom mais vasto.

Por isso a moleza de fim de tarde e sofá companheiro... por isso a vida quase monótona de jeito desfiladeiro nas pequenas coisas
Ninguém vira ao canto da sala a poeira consumida do tempo
Pela vida morta na poeira... fruto do desperdício da percepção
E dos paradoxos racionais.

Que as impressões emocionais formassem mundos
E contemplassem dias
Cultivassem novos signos pras dores, e fizesse do devaneio mais finito,
a eterna poesia.

Num canto escorada, pela mudança esquecida do tempo definido
Que mesmo com Sol ou chuva, deixam ela no meio do horizonte...