quinta-feira, 16 de abril de 2009

Flores novas

Abre os olhos e sente o cheiro ocre da manhã; o ocre do apático. O corpo remanescente de mais um dia que infiltra seus raios pelas frestas da cortina e impede o disfarce da luz, e não adormece mais a existência que quer esquecer. E subitamente, quando fecha os olhos em nova tentativa, se ajeita e sente infiltrada na fronha, a sensação de um passado, num cheiro de vida plena: uma lembrança sinestética traz a pulsação frenética como um sonho passando vívido para o tom da realidade.
Um súbito lirismo que não saberá nunca dizer enquanto apático e mudo, no fundo da cama, esquecido que o coração dá ritmo, pra harmonizar o caminhar.
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É estranho e bonito, sentir a dor como frêmito de um novo começo, aonde a lembrança rege o outrora como vida inexata que parte agora, a capacidade de sentir sem regressões, mas em essência intransferível da verdade: é sentido, é sensação, é engano dos poros escondidos na malha fina que colore o reflexo no espelho e explica, sem razões, que é o impulso silencioso pra romper o crescimento natural e deixar transbordar vertentes pelo demasiado, e na intensidade suprema, indicar que o tamanho não é nada demais.

Enquanto é hoje, dá pra suportar; o calor e o caminho resplandecem que o tempo é curto e o sentido dá tanto, que se não fizer vai deixar cair, e vai inundar os pés, e encharcar a vida numa terra que precisa antes de tudo, adubar.
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Aleatoriedades para flores novas em terra mal-tratada, de capacidade tão intensa, que o contraste nublado do céu não impede o calor da sensação,

e entender a vida toda num suspiro, numa gotícula,
fonte de respiração pra inspirar o pensamento a ser sensível enquanto bruto;
e defender-se do vento deixando o peito aberto, o corpo estendido para o mundo
no seu repouso inteiro, a cor da cortina espelha o mundo,
e partilha o cuidado dos tons dos sonhos, no travesseiro.


Um comentário:

Xuxudrops disse...

parece ter sido escrito ao pé da cama.
lindo e delicioso, tem cheiro e gosto de preguicinha matinal.

beijos!