quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Aguardo

Porque sentia-se febril de novo, na cidade descascada de esperança, há muito tempo. Do tempo mesmo que se calcifica lento, sabendo que a chuva vai descalçar a coragem e vai chegar derrubando tudo, invadindo ruas e casas deixando solidária a pena de quem nunca fez nada por si, e põem-se vítimas enfileiradas nas doações públicas. Na parte que pode ser pública.
Dos que se esforçam por ser, desesperadamente gritando vida no peito, na estampa da camisa elástica e bonita do corpo em seus reparos. Do corpo superficial e idêntico, a massa espalhada, nas vitrines e nos espelhos; uma transparência duvidosa quando não é da parte de dentro.

E o tempo úmido rememora o presságio do seguinte verão, do seguinte sufocamento da aurora laranja, da aurora linda e flamejante, mas consumista da beleza por cansar os olhos de suor e de castigo. Amolesta os ânimos no clima abafado, no gemido abafado, mentindo, escondendo, no abafado das mãos abanando a si mesmas pela sensação abafada, pelo sufocamento no ar, respirando fundo, temendo o medo do próprio cansaço, fingindo refrescância nos hálitos aromatizados e putrefados, ah putrefados dos seus vícios querendo ser virtudes, das flores nos canteiros cheios de bosta.

E se afastam das palavras ríspidas, fogem, mas não vão se proteger. Não vão adquirir cascas descascando frutos e os consumidos, rosados e saudáveis, não irão ser mais orgânicos ou respeitáveis adotando-se métodos em série, não irão construir escudos na noite embriagada do seu inútil. Porque não há o que lutar, não há inimigos desde que não se ponha contra si mesmo. Desde que os limites não lhe encurtem os horizontes, desde que se aceite a própria grandeza, e não se abafe o choro pedindo o carinho que precisamos para ser fortes. Não temendo a união que pode ser mesma ao silêncio, mesma a empatia do ser que se conhece, e não se supõe em obviedades de comportamento mecânico. Não existe a infidelidade para quem é leal a si mesmo. Não existe a culpa para quem aprende a perdoar. Não existem barreiras, pra quem quer começar de novo.

Porque ela estava ao sol, e sozinha. Distante.

Notória ignomínia escaldando o rosto de verdades demais,
tamborilando dedos insolúveis e cansados.

Uma sinfonia entoando ecos, procurando harmonia.

Foto: Tati Plens

3 comentários:

Tati P. disse...

tantas verdades cruas, despidas, e ah sabe, sinto forte. muito forte.

gregory haertel disse...

muito legal.
´não há inimigos desde que não se ponha contra si mesmo´. E há algum inimigo mais constante do que este, do que nós mesmos? Com um inimigo assim, quantos amigos serão necessários para equilibrar a vida?
Beijo, Cláudia

Xuxudrops disse...

" Não existe a infidelidade para quem é leal a si mesmo. Não existe a culpa para quem aprende a perdoar. Não existem barreiras, pra quem quer começar de novo."

É o que eu espero.É o que eu espero.

Pra mim,pra vc,pra nós todos.